sábado, 24 de março de 2012

O Estágio

Com o curso chegando ao fim, estava na hora de me dedicar ao estágio de 100 horas que eu devo completar para conseguir ter acesso ao meu diploma, e me tornar assim uma chef diplomada... o que não me transforma em chef, já que esse é o posto máximo na hierarquia de um restaurante e que deve ser alcançado por mérito.

Então por enquanto sou uma chef que não é chef, e ainda por cima sem diploma!! Ou, ainda, sou uma “chef que não é chef” estagiária dentro da cozinha de um restaurante. O que isso significa? Significa que na hora de preparar os ingredientes para os elegantes pratos da noite... alguém vai ter que cortar todas as cebolas, as cenouras, os salsões, descascar as batatas e tirar as folhas espinhentas das alcachofras...E quem será essa pessoa? Vocês já devem saber a resposta.

Então me lancei à missão de encontrar uma vaga pra mim entre os 7140 restaurantes de NY. Em cada um que eu quisesse avaliar, eu teria que agendar um “trail” com o chef (aí sim, o chef) responsável. Sendo assim, fiz uma série de “trails” que duravam em média 6 horas (em um dos restaurantes, cheguei a ficar 12 horas). Acredito que o principal motivo de existência de um trail seja pra você se sentir no céu quando virar estagiário. Porque fazer trail é ruim, muito ruim. E por que? Porque você chega ali no restaurante, sem conhecer ninguém , e o chef te joga nas mãos de alguém que não está nem um pouco a fim de ter o trabalho de te ensinar, pois afinal nem é certeza que você vai ficar lá. E aí você é convidado a estes maravilhosos trabalhos rejeitados por todos: “Ir buscar cebolas no refrigerador (os refrigeradores nos restaurantes de NYC geralmente se encontram 2 ou até 3 andares abaixo do chão)”, “Descascar as beterrabas (O que fará com que seus dedos fiquem Pink por uma semana)” “Ir buscar mais batatas no refrigerador (Porão!!)” “cortar vegetais na espessura de uma folha de papel usando um mandolin” – Para essa última atividade desconfio que role um “bolão” entre os funcionários mais experientes do restaurante... é quase certo que o aluno que está em trail vai se cortar, porque mandolin (japonês ou francês) fatia mesmo os dedos dos pobres candidatos a estágio. Então para uma melhor verificação da habilidade (ou melhor: "falta de habilidade") do aluno, eles geralmente pedem pra fatiar um legume bem escorregadio, como uma cebola ou muito “simples”, como uma couve flor. E em certo momento o aluno vai se cortar. E vai ficar tentando fazer o sangue coagular com a força do pensamento pra que ninguém veja aquele fiasco.

Exemplo da minha reação padrão depois de cada trail:
Por que foi que tive essa Piii infeliz idéia de vir aprender a cortar cebola nesse Piiiii país de Piiiii, com esse povo de Piiiii. E de ter que cortar essa tonelada de cebola Piiiiiii, e eu quero ir embora pra casa, porqu eu Piiiiii esse lugar. E que esse país de Piiiiii , com todas essas pessoas imigrantes de Piiiii com todos os cidadão de Piiiiii vão pra Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!! Vou embora desse lugar!!! Odeio chefs, Odeio comida, Odeio cozinheiros e odeio Tudooooo!! Odeio até revistas de culinária!
Até Cheesecake eu odeio! (Opa! Aí não...!)
Ufa...!

Felizmente esse efeito demora o mesmo tempo dos trails pra passar... se for um trail de 8 horas, sei que demorarei 8 horas pra parar de xingar a tudo, a todos e, principalmente, a mim mesma.

Bem, foi assim que cheguei ao Mercer Kitchen, que é o restaurante onde ocupo o importante posto de estagiária atualmente. Acertei a mão. O Mercer Kitchen fica no elegante bairro do Soho e está localizado no andar subterrâneo do hotel Mercer. Este restaurante pertence ao premiado chef Jean Georges Vongerichten que possui outros 15, espalhados nas principais capitais do mundo (Ainda não no Brasil). No SOHO este restaurante é freqüentado por algumas celebridades e VIPs. Até agora apareceram clientes como o Jim Carrey (que vai lá sempre comer o renomado “Mercer Burger”) e a Lindsay Lohan (A loira hollywodiana que sempre se mete nas manchetes policiais). Em uma das noites, o príncipe e princesa da Noruega jantaram lá (Bem... não deixam de ser VIP, não é?).

A comida é maravilhosa. E as pessoas são bacanas, me ensinam bastante. É claro que corto muita cebola com o mandolin (Já não me corto mais), mas também tenho outras funções mais interessantes: Posso engrossar uma salsa do peixe, posso colocar os peixes no vapor, posso montar os pratos que vão pra mesa, posso fazer omeletes franceses, posso refogar os legumes... são tantas as coisas que posso fazer e, dependendo do cozinheiro responsável pela praça que estou, faço coisas mais ou menos interessantes. Alguns deles permitem que eu execute receitas inteiras.

Ah! E o melhor: Posso experimentar tudo que quiser!! E sempre que alguém erra em algum pequeno ingrediente e o chef lança o prato de volta pra dentro, alguém oferece ao estagiário aquele prato reprovado no controle de qualidade!

Com as fotos tento mostrar um pouco das minhas andadas por aqui! Um beijo pra todos e até a próxima!

Maria Amora


Mandolin Japonês fatiador de dedos de estagiários.

Mandolin Francês. Com esse o negócio é ainda pior... sem cuidado ele pode arrancar o dedo fora!

Uma das entradinhas do Mercer Kitchen

Outra entrada no Mercer

Adoro essa cidade!

Cachorrinho Hostess aguardando o próximo cliente!

Cup Cakes

Algumas das VIPs que jantam no Mercer

No Jardim Botânico do Bronx a primavera chegou mesmo!









E o Central Park consegue ficar ainda mais bonito!

domingo, 4 de março de 2012

Macacos me mordam!

É quase primavera por aqui… e quando passamos por um inverno rigoroso como o americano, a próxima estação é esperada com muita ansiedade... e eu estou muito curiosa para ver as folhas das árvores da "Big Apple" nascerem.

Um pouco antes da minha graduação, eu comecei a sentir as dores na minha coluna cervical. As mesmas que me acompanham de tempos em tempos há uns anos. Isso aconteceu exatamente durante os trabalhos pro nosso “Friday Night Dinner”, que mostrei no último post.

Quando comentei com o Stevenson, ele me sugeriu que eu procurasse a Claret, uma professora de “Alexander´s Technique”.

Pequenas explicações necessárias pro entendimento deste post:
Stevenson – Meu grande amigo durante todo o curso. Uma das pessoas mais especiais que encontrei por aqui. Tenho certeza que é o amigo que levarei durante toda a minha vida... Providencialmente, é psiquiatra também!!! (Podem rir meus amigos, e dizer que era disso mesmo que eu precisava)

Alexander´s Technique – É uma técnica que nos ensina a ter consciência do uso de nosso corpo... basicamente, a técnica tem me ensinado como eu vou evitar, depois de algumas aulas, uma ação instintiva de levantar meus ombros ao mesmo tempo que, involuntariamente, enrijeço meu pescoço e outros músculos do meu torso. Com essa técnica estou estou constatando que faço esse movimento prévio pra qualquer coisa que pretenda fazer: Sentar, levantar, andar, deitar, andar de bicicleta, correr, pegar objetos no alto ou embaixo.

Minha professora também me disse que esse é um movimento instintivo que herdamos dos tempos em que éramos primatas. Nossos amigos macacos, até hoje, quando vão saltar de um galho pra outro, levantam os ombros na tentativa de proteger o pescoço e a coluna em caso de uma queda... e de proteger as próprias vidas, nesse caso.

Bem, o fato é que eu, quando salto de um galho pra outro aqui pelas vilas de NY, faço igualzinho aos nossos amigos macacos. E isso acaba provocando essa rigidez muscular... o que termina em dores na coluna. A Claret tem me ensinado (na verdade tem explicado diretamente à minha mente) de que eu não estou correndo risco de vida e que eu também não estou no meio da floresta.

E isso tem funcionado... porque eu não tive mais dores na coluna desde que comecei a vê-la.

Depois das explicações, vamos voltar ao momento em que o Stevenson me sugeriu a Claret:

“Maria Amora, GO to see Claret! She can fix you”, ele disse.
“Really?” eu respondi
“For sure!” ele confirmou

Então, depois de passado o jantar de formatura, já que minha coluna continuava doendo mesmo, marquei um horário para a tal “técnica do Alexandre”. Ao chegar ao endereço, um prédio de luxo localizado na Broadway, eu pensei pela primeira vez que aquilo talvez custasse muito além do que minhas apertadas finanças estudantis permitiriam pagar.
Subi mesmo assim, me questionando: “Maria Amora!! Porque você não perguntou o preço antes??!” Ao entrar no apartamento, me surpreendi com a beleza do lugar... Aquele era um apartamento dos sonhos! Trata-se de um Loft de 2 andares. O piso de madeira e os móveis antigos dão aquele ar vintage ao ambiente... que não deixa de ter toda a tecnologia moderna, inspirando aconchego. A sala tem um pé-direto referente aos 2 andares (o que é alto, muito alto) e aos fundos, depois de passar a cozinhar você tem os quartos – no segundo andar... Tudo meio emendado, mas com a privacidade necessária pra cada cômodo. Ah... e o escritório onde ela atende os alunos, é todo de vidro, com vista pra rua.

Depois de conversar com a americana Claret e dela me dizer que é especialista da técnica a 30 anos, perguntei o valor das aulas: Cento e setenta dólares. Por hora (!!!). E ela me disse que eu precisaria estar lá 3 horas por semana (!!!). Em tom de despedida, agradeci a ela e disse que pensaria a respeito... Foi quando ela me fez a proposta:

“Maria Amora, eu estive presente no jantar que você e seu grupo prepararam na escola na ultima sexta-feira. A comida estava maravilhosa. Parabéns! Você gostaria de cozinhar pra mim em troca das aulas?”

E foi assim que arrumei meu primeiro trabalho em NY como um "Private chef". Recebendo não em dólar, mas trabalhando em troca de serviço: “Exchanging”... Me fez lembrar que esse foi o jeito que nasceu o comércio, em muitos lugares do mundo: “Eu troco açúcar por cravo da índia” “E eu troco tecido por água de coco” “E eu troco esse acarajé por essa farinha de puba”. E por aí vai... e assim foi! Que os historiadores me perdoem por esse parágrafo.

Tenho cozinhado muito aos sábados ao som de barítonos, sopranos e tenores. É que esta técnica é muito utilizada por cantores... e a Claret é também professora de canto. Então embalada nesta cantoria clássica ao som do piano, em 4 sábados já cozinhei mais do que fiz no último ano inteiro no Brasil..! E tem valido muito a pena, porque ela também me corrige quando estou cozinhando: “Maria Amora, pare de forçar seu corpo a te impedir de fazer o que você ama. Nosso corpo só pode nos impedir de fazer aquilo que nos faz mal!” Filosofa Claret, consertando minha postura, enquanto eu tento tirar algum assado de dentro do forno, com os meus ombros de macaco.

E, falando em comida... foram 20 dias ininterruptos de restaurant week em New York. Evento que me deu a oportunidade de comer em alguns dos mais famosos restaurantes pagando bem barato. Vou deixar vocês com algumas fotos!

Um abração a todos!

Os macacos levantam os seus ombros e contraem seus músculos quando pulam de galho em galho... e é daí que herdamos esse mau-hábito. Não nos serve pra nada já que não pulamos de galho em galho, entende? Somente provoca dores na coluna...

Macacos não tem o hábito de tomar sorvete de morango, baunilha e chocolate... Isso seria um mau - hábito pra eles... já pra nós... bem, depende da qualidade do sorvete!

Sopa de cogumelos no restaurante italiano

sobremesa do restaurante italiano (Opa! Mordi antes da foto!!!)

Prato de uma amiga... tem foie Gras.... especiaria que eu não como por princípios éticos.

Prato principal do francês (o meu prato): arroz negro com escalopes.

Prato de outra amiga no francês

sobremesa no francês

mais uma sobremesa... não é linda essa?

Nhoque no italiano

Ceviche no peruano

sushi no japonês

Procurando por folhas nas árvores do Harlem... quase primavera...!

Noite na Union Square.... Intensifiquei minhas caminhadas depois desses 20 dias de orgias culinárias...